A Química e a Cor
Química

A Química e a Cor


Fotos de M. Gil
 
Deambular por um jardim num dia de Primavera ou atravessar um parque em pleno Outono são momentos que tornam evidente a importância que a cor assume na natureza. A cor é um tema apaixonante tanto para a Ciência como para a Arte e a sua perceção é uma característica da experiência humana da qual, na realidade, sabemos muito pouco.
Resumidamente pode dizer-se que a perceção da cor se dá em três estádios diferentes, cada um deles envolvendo processos complexos: excitação de diferentes tipos de células da retina dos nossos olhos pela luz visível a valores de comprimento de onda distintos, transmissão do impulso nervoso ao cérebro através do nervo ótico e interpretação do sinal que chega ao córtex cerebral. O cérebro determina a cor analisando a sensibilização de cada tipo de célula da retina.

Do ponto de vista físico-químico, a cor é um fenómeno que resulta da interação da radiação eletromagnética na zona do visível com a matéria. O homem é capaz de ver nesse intervalo de valores de comprimento de onda a que correspondem diferentes cores, entre o violeta e o vermelho, num contínuo como o arco-íris, e cuja mistura constitui a luz branca. A cor de um objeto resulta assim, de um modo simplificado, da absorção seletiva de luz a alguns valores de comprimento de onda, refletindo o objeto os restantes. Por exemplo, a cor verde das folhas das plantas deve-se à absorção de radiação pelas moléculas de clorofila nas regiões do vermelho e do azul do espectro do visível, sendo a luz verde refletida. Um material que absorve todos os comprimentos de onda da luz visível é preto enquanto outro que não absorve nenhum é branco.
A diversidade de cores e tonalidades fascinou o Homem desde sempre, sem exceção para os nossos primeiros antepassados. Efetivamente, a datação de pinturas da gruta de Chauvet-Pont d?Arc apontam a sua execução para cerca de 30 mil anos a.C., revelando que alguns artistas da fase inicial do Paleolítico Superior já faziam pinturas parietais de excelente qualidade. Mas a pintura não foi o único modo que o homem encontrou de reproduzir a natureza. A utilização de corantes naturais para colorir, nomeadamente têxteis, é possivelmente tão antiga quanto o uso de pigmentos nas pinturas rupestres. Também do Paleolítico Superior existem evidências da produção de têxteis, como a representação da saia envergada pela Vénus de Lespugne, datada de cerca de 20 mil anos a.C., ou de pedaços de corda encontrados nas grutas de Lascaux e que se pensa serem de 15000 a.C.. Porém, o primeiro registo de têxteis corados surge nos achados arqueológicos de Çatal Hüyük, na Anatólia, de cerca de 6700 a.C. Infelizmente, os substratos nos quais os corantes naturais foram geralmente usados ? as fibras têxteis ? e as próprias moléculas de corante são menos estáveis à ação da luz, lavagens e microrganismos do que as pinturas rupestres e, daí, que tenham chegado até aos nossos dias poucos testemunhos desses tempos.
A cor pode assim ser devida à utilização de pigmentos ou corantes. Os pigmentos são materiais inorgânicos que se apresentam sob a forma de pequenas partículas ligadas entre si pelo aglutinante (óleo, ovo ou mesmo saliva ou gordura animal utilizados pelos artistas rupestres) e que são os principais constituintes das tintas usadas em pintura. Quanto aos corantes, substâncias coradas de natureza orgânica, são solúveis em água e/ou álcool e fundamentalmente usados em tinturaria e na alimentação. Nos pigmentos inorgânicos, os elementos de metais de transição desempenham um papel muito importante na produção de cor enquanto nas moléculas orgânicas dos corantes este fenómeno deve-se fundamentalmente à existência de ligações duplas alternadas.
Pigmentos e corantes podem ter origem natural ou artificial. Contrariamente ao que aconteceu com os corantes, pigmentos naturais e artificiais foram usados em simultâneo desde sempre, facto atestado pelo uso em grande extensão na gruta de Chauvet-Pont d?Arc de um pigmento preto preparado por calcinação de madeira a par com ocres de origem natural. Na Antiguidade foram também utilizados pigmentos sintéticos obtidos por processos mais complexos do que a simples calcinação, como o azul egípcio, resultante da fusão de cobre, sílica e calcário e que constituiu o principal pigmento do Antigo Egito. No decurso dos tempos, as paletes dos artistas foram sendo enriquecidas com novos pigmentos, complementando ou substituindo os existentes, sobretudo a partir do último quartel do século XVIII com a revolução saída da química de Lavoisier e mais tarde, já nos séculos XIX e XX, com a química do crómio, do cobalto e do zinco.
A produção de corantes sintéticos em meados do século XIX, marcada com a síntese da mauveína por Perkin em 1856, tornou-se um marco na história dos corantes e o início de uma nova era na tinturaria. Os corantes naturais, usados até então, eram extraídos por diversos processos de flores, frutos, cascas e raízes de plantas e árvores, de insetos e moluscos. Exemplos como o púrpura de Tiro, o mais caro corante do mundo antigo, reservado ao imperador e às elites, revelam a importância que os corantes naturais podiam assumir. Atualmente, pela sua estabilidade à ação da luz, os corantes sintéticos dominam o campo da cor no que se refere a têxteis, cosméticos e alimentos. Porém, por questões de saúde pública e ambientais, o declínio dos corantes naturais parece ter sido travado e uma nova era da sua utilização está a despontar.

Referências Bibliográficas
å A.J. Cruz (págs. 5-23) e A.E. Candeias (pág. 27-43), Pigmentos & Corantes Naturais: entre as Artes e as Ciências, Fundação Luís de Molina, Portugal, 2007.
å E.J.W. Barber, Prehistoric Textiles: The Development of Cloth in the Neolithic and Bronze Ages with Special Reference to the Aegean, Princetown University Press, USA, 1991.
å J.M. Peixoto Cabral, Química: Boletim da Sociedade Portuguesa de Química 62 (1996) 11-18.
å J. S. Melo, M.J. Melo, A. Claro, Química: Boletim da Sociedade Portuguesa de Química 101 (2006) 44-54.
å Consultado em: <http://www.culture.gouv.fr/culture/arcnat/chauvet/en/>. Acesso: Julho 2011.
å Consultado em: <http://www.lascaux.culture.fr/>. Acesso: Julho 2011.

Por
Teresa Ferreira*

* Prof. Dep. Química da ECTUE e Centro de Química de Évora (CQE)

Publicado no Jornal "Registo" em 16/02/2012
Disponível no Jornal On-Line da Universidade de Évora (UELine)




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